Esqueçam, nas próximas linhas, a antipatia e o gênio não lá muito
agradável da Paula. Primeiro, porque a sua intérprete, nossa entrevistada da
vez (iupiiiii! Conseguimos!), é de um carisma e simpatia bem diferentes da
filha da Dona Ofélia. E, segundo, porque a própria atriz fez questão, no
decorrer do bate papo, de explicar o porquê da personalidade, digamos, não muito
fofa da personagem que deu vida no clássico de Ivani Ribeiro. (Confesso que até
eu próprio comecei a entender melhor a tadinha que colecionou casórios
interrompidos e adquiriu até coceira por conta das peripécias provocadas pela
nossa amada mentecapta). Com vocês, a querida Fátima Freire! Deliciem-se, ela é
mesmo uma delícia de pessoa.
Fátima em foto atual e na época da "Gata". Linda em todas as fases!
Anderson
Maia (AM) - Quando foi que você descobriu o dom de atuar e de fazer arte?
Fátima Freire (FF) - Desde pequena, eu gostava de dançar, de cantar, de
recitar poesias, gostava de me expor. Quanto as pessoas iam à minha casa, meu
pai falava que eu ia pra sala recitar poesia, demonstrar meus dons. Sempre tive
essa veia artística. Certo dia, por volta dos meus 17 anos, quando morava
próximo de uma emissora de TV lá em Curitiba, descobriram-me na rua e me
chamaram-me para fazer um teste. Passei e comecei a apresentar programa. Antes
disso, porém, já fazia teatro, foi uma coisa que eu sempre gostei, mas foi a
partir dos 17 que eu comecei, realmente, a trabalhar com isso.
AM - Seu
primeiro trabalho foi no cinema, numa pequena participação no longa-metragem
Aladdim e a Lâmpada Maravilhosa, com o Renato Aragão. Na TV, estreou depois
anos depois, em Cuca Legal e Senhora. Como foi conseguir espaço na grande
mídia?
FF - Carreira de ator é sempre muito difícil, principalmente no meu
caso, que vim para o Rio de Janeiro sozinha, com 19 anos. Morei em vaga, em
quarto alugado, porque tinha esse sonho de ser atriz. Depois de trabalhar dois
anos em Curitiba, eu queria me expandir, levar mais a sério a minha profissão. A
gente luta muito, corre muito atrás, eu entrava em tudo o que era teste. O
Ziembinski (diretor de teatro, cinema e televisão), na época que era da Globo,
fazia teste com atores, então eu fui lá e fiz teste com ele pra trabalhar em
novela, já que até então eu só fazia papeizinhos em linha de show, como modelo,
aquela pessoa que aparecia e não falava nada. Mesmo assim, eu continuava
estudando, fazendo curso. Depois desse teste com o Ziembinski, fiz a minha primeira
novela, Cuca Legal, num personagem que era pequeno, mas que acabou depois
crescendo. Após isso, já veio Senhora, com um papel muito bom.
AM - Você
teve grande destaque entre as estrelas da TV nos anos 70 e 80. Como era lidar
com o sucesso e, certamente, o assédio dos fãs?
FF - Eu sempre fui uma pessoa muito tranquila, nunca me deixei encantar
pelo sucesso, porque vejo que tudo isso é uma coisa efêmera. O ator tem altos e
baixos na carreira, uma hora está com sucesso, outra hora não está, é uma
carreira muito instável, muito insegura. Eu curtia muito essa fase, quando
estava no ar em uma novela fazendo sucesso. Era muito bom você ter o carinho
dos fãs, ser parada na rua, ser elogiada, fui convidada pra ir à Europa, fui a
Portugal, fui recebida lá como uma diva, por conta de uma novela que fiz e que
teve muito sucesso também por lá. Foi muito bom, mas eu sempre me deixei ficar
com os pés no chão, sabendo que era uma carreira instável e que numa hora eu
poderia estar com sucesso, noutra hora não. Curti os momentos de sucesso,
muito.
Peraê: impressão minha ou é a Paula e a Jô em outra história? :P
AM - Você
se considerava um sex simbol?
FF - Não, eu não me considerava (risos). Sempre fui uma pessoa tranquila
e também fiz muitos papeis da mocinha, boazinha. Fiz algumas 'mazinhas' também,
mas fiz bem mais personagens doces e nunca, assim, amantes ou mulheres de
luxúrias, mulheres sexies. Sempre fiz a professorinha, ou a amiga, sempre
papeis mais tranquilos. Claro que na manchete eu cheguei também a fazer uma
espírita que recebia uma pomba gira, personagens fortes, mas nunca fiz
personagens sensuais, vamos dizer assim.
AM - Ter
no currículo clássicos como O Feijão e o Sonho, Dona Xepa, Cabocla e a própria
A Gata Comeu não é para qualquer atriz. Você sente saudade desse auge?
FF - Tenho saudade, sim. Você estar com sucesso, estar sendo reconhecida
é muito bom, muito gostoso. Porém, como eu já falei, eu sou muito pé no chão,
não fico sofrendo pelo que eu não tenho. Eu tento ver que a vida é uma coisa
muito passageira, que a gente está aqui de passagem e que tenho que viver o
momento de agora. Foi muito bom fazer muito sucesso, muito bom. Agora estou
mais tranquila, fazendo mais teatro, não estou mais na mídia, mas estou muito
feliz também. Tenho uma família maravilhosa, tenho filhos, tenho netos, tenho
um casamento de 35 anos e curto muito o meu dia a dia, curto muito o hoje. Eu
vivo o hoje, o agora e sempre tento dar valor às coisas que eu tenho, ao invés
de ficar pensando no que foi, no que passou.
AM - Como
avalia as produções televisivas dos dias de hoje?
FF - Antigamente, eu acho que era mais tranquilo. A Globo, mesmo, era
muito menor, você tinha acesso aos diretores, você conseguia entrar numa sala
do diretor, pra conversar, pra tirar ideia. O Boni, que era o auge da época, o ‘super
super’ da Globo, várias vezes que eu precisei conversar, ele foi lá e me
recebeu. Hoje em dia, você não consegue nem ter acesso a um diretor, porque tem
o assistente do assistente do assistente, você não consegue nem entrar na
Globo. Entes, era uma coisa muito menor, muito mais família, éramos uma grande
família. Hoje, vejo mais como uma indústria.
Nos bastidores das gravações de um dos casórios atrapalhados (um deles pela Adrianinha, na foto, haha...)
AM - E
falando em nossa querida Gata (A Gata Comeu), fala primeiro como surgiu o
convite para viver a Paula.
FF - Eu tinha acabado de fazer o seriado O Bem Amado, com Paulo Gracindo
e Lima Duarte. Foram cinco anos fazendo esse trabalho. Eu já havia feito várias
novelas com o Herval (Rossano), o conheci em Cuca Legal, quando ele me chamou
pra fazer Senhora. Fiz também, com ele, O Feijão e o Sonho, Dona Xepa, Cabocla,
tudo com o Herval. Quando fui liberada do seriado, ele me convidou para fazer a
Paula de A Gata Comeu.
AM - Foi
difícil interpretar uma personagem tão geniosa, de personalidade tão forte?
FF - Pra mim foi meio complicado, porque, no começo, o texto vinha
mostrando uma moça boa, simples, noiva de um professor... ela era muito
carinhosa, muito amiga, muito solícita, se dava bem com as crianças. Essa era a
personalidade da Paula que me passaram no começo. Os textos vinham assim e o
Herval me falou que era assim. Daí, de uma hora pra outra, talvez para fazer o
público torcer pela Jô, eles começaram a mudar a personalidade da Paula.
Fizeram-na mais geniosa, mais briguenta com as crianças, muito influenciada
pela mãe. Foi uma mudança que me assustou, porque tive que ir alterando
devagar, já que ninguém se transforma da noite pro dia. Uma pessoa não é
tranquila, doce e carinhosa e, de repente, vira geniosa e rabugenta. Foi
difícil pra mim fazer essa mudança brusca, tive que ir fazendo com muito jeito.
AM - A
novela já começou “pegando fogo”, com a famosa fase da ilha. Como foi a
temporada de gravações no local? Como era o dia a dia das gravações e por trás
das câmeras?
FF - O começo da novela, a gente gravando lá na ilha, foi a fase mais
gostosa da novela, pelo menos uma das mais. Era muito gostoso, porque nós
ficamos todos num hotel e a gente se dava muito bem, conversa muito.
Acordávamos bem cedinho, pegávamos uma lancha e íamos para a ilha. Passávamos o
dia inteiro lá, só voltávamos para o hotel à noite, para jantar, tomar um
banho, cair duro na cama e levantar no dia seguinte. Foram quinze dias
deliciosos, a gente convivia, estávamos todos felizes e animados em fazer a
novela. Foi uma época maravilhosa.
Por trás do "gravando!": "Era muito gostoso fazer a
novela. A gente se divertia muito"
AM - Um
dos grandes destaques da Gata é, certamente, os personagens cômicos,
interpretados por gênios como o Arutin, A Migliaaccio, A Marilu, o Cláudio
(Correa e Castro), a Diana (Morel) – sua mãe na novela... Era divertido,
também, os bastidores?
FF - Realmente, tínhamos muito bom humor. Era muito gostoso fazer a
novela. A gente se divertia muito. Lembro de várias cenas que tivemos crise de
riso e paramos a gravação, olhávamos um pra cara do outro e ríamos. Era muito
gostoso, era muito divertido também pra nós, atores.
AM - É
difícil, até mesmo pra nós, fãs, explicar o segredo exato para que uma novela,
trinta e poucos anos depois, ainda seja tão lembrada e venerada por uma
multidão. Como a Fátima Freire explicaria esse sucesso?
FF – Eu, realmente, também não consigo entender o sucesso de A Gata
Comeu. Eu acho que é uma mistura de várias coisas. Era um elenco muito
simpático, muito legal, uma novela simples, sem complicação, rebusco, filosofias,
nada. Com uma música gostosa, e personagens divertidos. Você não vê
sensualidade, não vê sexo, não vê grandes maldades. Era tudo, apenas, vida de
pessoas comuns, o público se colocava muito ali. Eu acho que a simplicidade da
novela, inclusive com personagens infantis, fazia com que todo mundo se
encontrasse como se fossem seus parentes, amigos. Todos se viam um pouco na
novela e se sentiam íntimos dos personagens. Acho que é um pouco por aí...
AM - O
que representa a Paula para a Fátima?
FF - Foi um dos personagens mais marcantes da minha carreira. Um dos que
eu mais gostei de fazer. Fiz outros personagens que eu também gostei muito, até
bem diferentes, mas a Paula foi a mais marcante, sem dúvida, e eu tenho muito
carinho pela Paula.
AM - Como
a Fátima enxerga a Paula, uma mulher moldada pelas ideologias mercantis e
nenhum pouco sentimentais da mãe, que só visava ao poder e ao dinheiro?
FF - A Paula teve uma mudança no decorrer da novela. Ela começou bem carinhosa,
doce, amiga, tranquila e foi mudando sua personalidade. Tento explicar essa
mudança como consequência de ter tantas vezes o seu casamento atrapalhado pela
Jô. Ela acabou ficando uma pessoa muito infeliz e sentindo-se ameaçada. Fico
imaginando: amar uma pessoa, querer casar com ela e vem outra e atrapalha o
casamento três, quatro, cinco vezes... poxa, isso deixa qualquer uma, de fato,
muito nervosa, muito infeliz, muito cheia de problemas, tanto que ela até ficou
com alergia. Além de ter uma mãe que exercia grande influência sobre ela. Ia
muito pela cabeça da mãe, que achava que dinheiro e posição social eram o mais
importante na vida. Porém, ela não concordava com isso, tanto que no dia do
casamento com o Tony quis largar tudo pra voltar pro Fábio, que era o seu
grande amor. Ela queria casar com o Fábio porque o amava, mas era uma pessoa
muito influenciada pela mãe.

Das artimanhas da Jô à má influência da "mala sem alça" Ofélia: "isso deixa qualquer uma, de fato,
muito nervosa, muito infeliz"
AM - Considera
a Paula o seu trabalho mais emblemático? Sente-se bem ser reconhecida, até
hoje, por este personagem, mesmo tendo feito tantos outros (antes e depois da
Gata)?
FF - Apesar de ter feito 17 novelas... Eu fiz várias novelas na Globo,
fiz três novelas na Manchete, fiz novela no SBT, fiz uma novela na Record, mas
as mais marcantes foram, realmente, as da Globo. Entre todas elas, a personagem
mais marcante foi a Paula, até pelo sucesso da novela, porque nenhuma outra que
eu fiz teve tanto sucesso, nenhuma agradou tanto ao público quanto A Gata
Comeu. Ela ficou eterna, pegou várias gerações e as pessoas se apaixonaram por
sua simplicidade, por se sentirem em casa, por sentirem a ‘Gata’ como parte de
suas vidas. Tenho muita saudade, muito carinho por essa novela e por essa
personagem, por todos os atores que trabalharam comigo, pelo Herval Rossano,
que era muito meu amigo e que, infelizmente, não está mais com a gente. Terei
eterno amor pela “Gata” e pela Paula.
AM - Tem
visto a atual reprise da novela no Viva? Como é ver a si própria 32 anos
depois?
FF - Tenho assistido sim. Eu não consigo ver todos os dias, então eu
gravo e vejo depois. É muito interessante me ver 30 anos antes, eu já estou com
uma filha que tem a mesma idade que eu à época da “Gata”. Ela tinha dois
aninhos na época. Ver-me, assim, com uma carinha de menina é muito bom, muito
gostoso.
AM - No
que depender dos fãs da Gata, que só crescem a cada ano, o clássico da saudosa
Ivani, bem como Paula, serão lembrados ainda por muitos e muitos anos... deixa
um recadinho para essa multidão de apaixonados.
FF - Todos nós, atores da novela, ficamos
muito sensibilizados, muito emocionados por
ver um carinho tão grande do público. Esse encontro, por exemplo, que
teve agora, dos “Curumins”, aqui no Rio de Janeiro. Infelizmente, eu não pude
ir, porque estava viajando. Pessoas de toda parte do Brasil se reuniram ali, na
Urca, para festejar A Gata Comeu e conhecer os locais onde nós gravamos. Então,
isso é uma coisa que me sensibiliza muito, esse carinho do público, esse amor
que o público tem por essa novela. Eu só tenho o que agradecer do fundo do
coração a cada um de vocês pelo carinho que passam pra gente, pelos votos de
felicidade, as pessoas sempre me perguntando ‘ah, você tem que voltar a fazer
novela, estamos com saudade’... Essa demonstração
de amor, realmente, me deixa muito, muito feliz. Agradeço a todos e desejo que Deus
abençoe a cada um, que sejam todos muito felizes. Quem sabe, eu volte numa
outra oportunidade em outra novela gostosa... um beijo!
Receba também nosso beijo coletivo e nossos agradecimentos, querida Fátima! Prometemos compreender melhor a Paula, agora :D <3 #OsCuruminsTeAmam #VivaFátimaFreira #VivaPaula